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A blockchain como ameaça à atividade notarial: a fé pública e a confiança compartilhada

A atividade notarial, enquanto parte integrante dos atos da vida civil da população, são adstritos as mudanças e influenciados pelas tecnologias que se apresentam. As demandas da sociedade acabam por modificar o Direito, de modo que este se adeque a ela, e não o contrário. Portanto, pode-se afirmar que a evolução carrega consigo todas as demais áreas, exigindo que a adaptação a esta nova realidade ocorra, sob pena de extinção. É a teoria evolucionista de Darwin em uma esfera mais ampla do que a biologia, aplicando-a em uma esfera jus-sociológica. 

As novas tecnologias que se apresentam ao longo das últimas décadas, de maneira cada vez mais revolucionária e não apenas criando ou modificando os institutos existentes, acabam por confrontarem-se com os preceitos do Direito que remontam aos princípios das relações jurídicas existentes. E então o conflito entre a evolução e o costume é inevitável. 

O Direito é alvo constante de questionamentos quanto à aplicação das tecnologias disruptivas em seu meio. Um tanto se deve aos novos direitos e deveres que são criados por estas tecnologias,  como os direitos (e deveres) de proteção de informações pessoais, em voga na Europa em razão da aprovação do novo Regulamento Geral de Proteção de Dados – RGPD). Mas também muito destes questionamentos são implicados pela globalização como um todo, onde as fronteiras passam a inexistir para a realização de diversos atos jurídicos. 

Dentre estas tecnologias, a atividade notarial é, por muitas vezes, uma das mais influenciadas, uma vez que o seu objeto deriva de uma fé pública a qual era e ainda é derrogada pelo Estado a um cidadão, lastreada na confiança que hoje em dia se dissemina através de outros meios. Isto porque não estamos mais diante de um Estado, mas sim de um mundo onde essa fé pública necessita ser confiável além do caráter territorial. 

Uma das grandes questões formais que ultimamente se apresenta à atuação dos notários dizia respeito com os atos celebrados no meio eletrônico. E, ainda à época das dúvidas quanto à utilização de certificação digital em substituição da assinatura em meio físico essa questão já era trazida à tona. 

Entretanto, com a apresentação de novas tecnologias de encriptação e novos sistemas derivados para concretização de atos jurídicos através de plataformas digitais (em especial à Blockchain), o questionamento não mais se dá sobre a forma de atuação do notário em relação a estas, mas sim se o notário será verdadeiramente necessário para concretização dos atos em questão.

Para tal, façamos um breve apanhado dos conceitos decorrentes da atividade notarial, bem como do uso e funcionamento da blockchain, para que seja possível a contextualização prévia antes da abordagem que se pretende, qual seja, se utilização das ferramentas inovadoras poderia vir a substituir a atuação notarial. 

1 – A atividade notarial – Conceito e delimitações concernentes ao tema

A função dos notários encontra-se discriminada nos artigos 6o e 7o da Lei 8.935/94, legislação esta que vem regulamentar o disposto no artigo 236 da Constituição Federal. Segundo os referidos artigos, em especial ao primeiro mencionado, compete ao tabelião de notas a função de formalizar juridicamente a vontade das partes, atribuir a forma legal ao ato que se pretende, mediante autenticidade ou lavratura, e ainda a autenticação de fatos. 

Estes atos, entretanto, não seriam de atuação exclusiva do tabelião, os quais restariam descritas no artigo 7o do mesmo diploma, onde resumidamente atribui-se somente ao notário a elaboração de escrituras, procurações, atas notariais, testamentos em caráter público. Para fins de análise deste estudo, serão objeto central do artigo para fins de averiguação de possibilidades quanto ao uso da blockchain em substituição de sua atividade as situações descritas no artigo 6o, referenciando-se posteriormente as questões exclusivas ao tabelião.

A atividade em si sofre certas abrangências quanto à possibilidade de atuação, uma vez que não encontram-se adstritos à atuação para formalização dos negócios jurídicos que ocorram apenas dentro de sua jurisdição. Entretanto, existe a limitação territorial para elaboração destes atos. Segundo nos ensina Walter Ceneviva, as partes devem ir ao tabelião, e não o tabelião ir às partes (CENEVIVA: 2002, p. 58). E este conceito é de vital importância para fins de atuação junto ao meio eletrônico.

Ao atribuir-se ao tabelião uma limitação territorial, esta questão é pacífica ao trabalharmos em plataformas cuja sustentação do documento se dá no meio físico. O papel somente pode ser firmado quando as partes estiverem na circunscrição de atuação do notário, seja em sua serventia, ou seja fora dela, mediante diligência. Entretanto, um ato que é celebrado ao arrepio desta jurisdição é considerado nulo por se tratar de documento cuja fé pública notarial que é atribuída ao ato não existe na localidade onde fora firmado. 

Assim, o notário detém a fé pública estatal para a região onde é designado. Ao ultrapassar esta fronteira, a sua fé pública inexiste, fazendo com que o ato por ele celebrado fora desta circunscrição não detenha os elementos necessários para revestir este documento com os liames necessários à sua plena validade. Ressalte-se, que o documento pode valer-se como obrigação assumida entre partes, mas não deteria o caráter público que, em determinadas situações, é exigido. E a fé pública é de tamanha relevância para a perfectibilização de determinados atos jurídicos, que entende-se por bem destacar um tópico apenas para tratarmos desse relevante instituto que, como veremos, pode vir a perder força por parte das novas tecnologias atualmente adotadas. 

1.1 – A fé pública

Conforme já referimos, à atividade notarial é regulamentada pela Lei 8.8935/94, a qual regulamenta o artigo 236 da nossa Constituição Federal. Trata-se, portanto, de um serviço público, o qual é delegado a um particular para que este venha a outorgar à sociedade a validade e veracidade dos atos celebrados por ele ou sob sua assistência, sendo, portanto, tipos como detentores de fé pública. 

A fé pública foi eminentemente importante na antiguidade. Na Grécia, os mnemons, agentes públicos responsáveis por reduzir a termo a vontade das partes, detiveram tamanha relevância que Aristóteles chegou a atribuir a estes entes o sucesso e a organização das cidades gregas. Também na Roma Antiga existiam aqueles dotados de fé pública e responsáveis pela lavratura de atos de particulares, denominados de tabeliones

A necessidade de que determinado agente possua a capacidade técnica e jurídica de atestar determinados atos, firmados em sua presença para validade perante terceiros era essencial em um mundo cuja confiança era depositada no Estado. Na conceituação de De Plácido e Silva, “a fé pública assenta, assim, na presunção legal de autenticidade dada aos atos praticados pelas pessoas que exercem cargo ou ofício público”(SILVA: 2006, p. 605). 

Assim, para que houvesse a garantia e a segurança dos atos jurídicos, a intervenção de um terceiro delegado por este Estado como agente imparcial e apto a lavrar a termo a intenção dos particulares mostrava-se essencial. E este agente é, nomeadamente, o notário. Sua importância encontra eco nas palavras de Walter Ceneviva, que refere que a atuação deste estabelece a normatividade do contrato revestido da forma pública, atendendo às finalidades requeridas pelas partes (CENEVIVA: 2002, p. 22). 

A fé pública outorgada aos atos através destes agentes delegados do Poder Público encontra a quase absoluta presunção de veracidade. Nesse mesmo sentido, Afonso Celso Rezende funda sua posição ao dizer que 

Este modo de declarar que determinados atos praticados ou ritos perseguidos estão perfeitamente estribados em ditames legais é conhecido como fé pública, ou seja, é real, iniludível, verídico e legal, ficando as partes envolvidas na ação perfeitamente abrigadas e aquecidas pelo Direito, isentas de qualquer dúvida – claro, até prova em contrário (REZENDE: 2004, p. 29).

A necessidade de que um agente possua a capacidade técnica e jurídica de atestar determinados atos, firmados em sua presença para validade perante terceiros era essencial em um mundo cuja confiança era depositada no Estado. E assim, para que houvesse a garantia e a segurança dos atos jurídicos, a intervenção de um terceiro delegado por este Estado como agente imparcial e apto a lavrar a termo a intenção dos particulares mostrava-se essencial. 

Porém, a necessidade desta intervenção do Poder Público, através de seus agentes extrajudiciais, vêm sendo atribuída como uma burocracia, haja vista que a sociedade de informação em que vivemos atualmente busca outros meios de se promover a garantia dos atos firmados entre as partes. De modo que a necessidade de um terceiro interveniente, com as delimitações de atuação já anteriormente referidas, e muitas vezes com custos que se apresentam como sendo elevados – frise-se, no entendimento daqueles que não compreendem a dimensão da responsabilidade por trás de cada ato realizado pelo notário – mostra-se, aos olhos das partes, mais como um empecilho do que efetivamente como uma segurança. 

Frente a estas questões, a fé pública outorgada pelo Estado vem sendo substituída por meios alternativos de confirmação de determinados atos, pelos quais alega-se que os tabeliães vem sofrendo riscos em sua atividade em virtude do avanço destes meios eletrônicos. Posição que, desde já frisamos, não se concorda, mas que melhor abordagem será dada quando das conclusões do estudo.

2 – A Blockchain e seu funcionamento

Muito se tem abordado atualmente o uso de tecnologias em virtude das possibilidades de transações que se tem apresentado em meios digitais. Parte dessa disruptura se deu no mercado financeiro através das criptomoedas, em especial referência à Bitcoin. Não nos cabe aqui avançar quanto à análise do fator financeiro desta moeda, mas sim à codificação de suas transações que fora criada para sua operacionalização, a blockchain

Em uma tradução livre, blockchain significa a cadeia de blocos. A forma de trabalho dessa ferramenta, criada para transações internacionais, acaba por criar um mecanismo de validação que independe de qualquer terceiro interveniente. A cadeia de encriptação das transações demanda uma rede de usuários, os quais servem como validador das operações. 

Em apertadíssima síntese, uma transação registrada por um usuário é codificada, através de uma chave pública, a qual é transpassada a um número mínimo de usuários na rede, e assinada por uma chave privada, a qual somente o signatário dessa transação possui. A transação é validada por uma parcela determinada de usuários que receberam a chave pública, e, caso venha a ser validada, é inscrita na blockchain e disponibilizada a terceiros. 

Essa ferramenta acaba por gerar um mecanismo de autenticação de modo a permitir que a confiança coletiva na encriptação e validação dos dados dispense a atuação de um ente próprio para realização desta confirmação. Acresce-se a isto a imposição de carimbos de tempo em todas as principais fases da inscrição. Assim, temos que a segurança encontra-se edificada sobre três pilares: caráter multilateral; inscrição de dados através de consenso multilateral; e encriptação e validação temporal.

A segurança da blockchain está diretamente ligada ao tamanho da rede de usuários que a utilizam para realizar a verificação. Como a ferramenta possui origem em um mecanismo de transações financeiras envolvendo critpomoeda, a necessidade clemente era evitar que uma transação fosse realizada mais de uma vez. 

Assim como uma transação bancária, onde se emite uma ordem ao banco para que o dinheiro seja retirado de uma conta e depositado em outra, é preciso que haja a validação de que essa transação seja debitada da conta original antes de que o correntista possa realizar outra transferência, sob pena de estar transacionando duas vezes o mesmo valor. Nesse caso, o terceiro responsável é o banco. No caso da blockchain, esse terceiro inexiste, servindo a própria rede de usuários como agente validador das operações. 

Para que fosse possível burlar o mecanismo da blockchain e a transação em questão fosse alterada após ter sido submetida, seria preciso um poder computacional apto a promover a alteração em, pelo menos, mais da metade dos computadores da rede de usuários, onde então a validação apresentaria um retorno negativo, e a transação não seria registrada na blockchain. Quanto maior a abrangência da rede, mais difícil é a realização da quebra de validação. 

A rede de usuários da blockchain foi fomentada desde sua origem enquanto ferramenta operacional da bitcoin, através de recompensas para usuários que fossem integrados a rede. Esta situação acabou gerando inclusive um rol de atividades paralelas voltadas à estas operações, desde computadores dedicados à validação das transações (os chamados mineradores de bitcoin), quanto à elaboração de processadores para computadores voltados especialmente para esta modalidade de atuação. 

Entretanto, como já referido, a blockchain, apesar de ter surgido para o mercado da criptomoeda, permite que sejam realizadas as mais diversas operações entre partes que demandam a expressão de vontade. Isto porque os termos constantes da transação firmada entre as partes pode conter qualquer disposição de vontade, e é verificável perante terceiros, uma vez validada e registrada na cadeia de blocos. 

2.1 – A Confiança compartilhada

As transações efetuadas através da blockchain possuem uma espécie de fé pública garantida pelos demais usuários da rede, com uma validação da informação realizada em caráter multilateral. Isto implica dizer que a confiabilidade da informação ali contida encontra-se não mais em um agente externo, que, munido de autorização estatal, pode autenticar os fatos, mas sim de uma série de outros indeterminados indivíduos assim o autenticam e, por isso, tem-se o mesmo como válido. 

Trata-se, portanto, de uma disruptura da fé pública como antes a vimos. E tal não poderia ser diferente, haja vista que o mundo globalizado exige adaptações nas transações realizadas, de modo que não poder-se-ia ficar dependente da outorga da fé-pública por determinado ente, o qual encontra-se delimitado por uma competência territorial que demanda que as partes compareçam perante o oficial. E ainda, a fé pública de um ato dependeria da aceitação e validação de sua confiabilidade perante os outros entes onde este ato viria a gerar efeitos. 

Não se olvida a existência do Apostilamento segundo a Convenção de Haia para fins de garantia da fé pública aos órgãos em questão. Entretanto, as realizações realizadas com blockchain seriam inclusives independentes destes atos de confirmação, razão pela qual se apresenta dita exposição.

A utilização da blockchain como método validador e aceito perante os utilizadores de ditos sistemas implica na desnecessidade de um agente intermediador. Nas palavras de Francisco Mendes Correia, essa ferramenta 

É descentralizada na medida em prescinde de um registo central ou de um responsável único (ou hierarquicamente superior) pelos dados introduzidos e armazenados no sistema, assentando antes na distribuição de responsabilidade pelos respetivos participantes, como característica essencial. (CORREIA: 2017, p. 448)

Em comparação rasa e imediata, verifica-se a modificação da segurança através da origem determinada por um ente estatal assim autorizado, para uma confiança lateral oriunda de determinados usuários os quais não são submetidos em ordens de categoria inferior e/ou superior. Uma situação que ousamos chamar de confiança compartilhada. 

3 – Notas sobre o panorama notarial em face da Blockchain

Conforme já referido, a atividade notarial tem por escopo garantir a autenticidade de fatos e atos jurídicos. Entretanto, assim como o faz, a blockchain também o faz. Entretanto, a legislação brasileira impõe limitações quanto ao formalismo existente e necessário para validade de determinados atos. 

Portanto, enquanto perdurar ditas exigências, crê-se que o notário não deixará de existir, como se imagina. A figura do tabelião é maior do que as ferramentas que lhe são apostas. O que precisa ser feito é a adaptação para que a atividade notarial seja desenvolvida em conjunto com as novas tecnologias que lhe são impostas. 

Tomando por exemplo as escrituras públicas, as quais são exigidas como requisito formal para validade de determinados atos, à exegese de exemplo do artigo 108 do Código Civil. Este ato, segundo nos ensina Brandelli, é aquele o ato notarial pelo qual o notário recebe a vontade, manifestadas pelas partes e endereçadas a ele, tabelião, para que instrumentalize o ato jurídico adequado” (BRANDELLI: 2017, p. 273). 

A grande questão que se implica, de acordo com a blockchain, seria: esta expressão da vontade poder-se-ia ser realizada mediante requerimento expresso, firmado, validado e registrado nesta plataforma, endereçado ao tabelião, para que deste instrumento lavrar-se-ia a escritura pública? E de que forma poder-se-ia revestir de forma pública uma transação realizada dentro da blockchain

Para responder estas perguntas, necessário, de antemão, compreender a abrangência da atuação do notário. Segundo ensina Susana Maria Tarnoski, o notário

debe escuchar, preguntar, interpretar, calificar la voluntad de los requirentes y redactar e lacto, para luego autorizarlo em ejercicio de sus funciones, subscribiendo el mismo com su firma y sello, confiriéndole la fuerza de la fé pública.(TARNOSKI: 1998) 

Do que se pode extrair da lição, e considerando os apontamentos realizados, poder-se-ia entender que o notário, ao verificar a existência de uma transação realizada pela blockchain em que lhe possa ser confiável dita transação, poder-se-ia revesti-lo de fé pública, caso assim entendesse, mediante a lavratura de ata notarial para certificação do negócio em questão. Assim, autenticar-se-iam os fatos e os negócios jurídicos registrados na plataforma, garantindo assim a sua veracidade para os fins práticos de seu dia-a-dia.

Trata-se da utilização da blockchain não como ameaça a atividade notarial, mas como novo meio de desenvolvê-la. Onde o notário não mais seria necessário intervir para formalizar a vontade das partes, onde esta vontade já estaria consubstanciada, mas para autenticar os fatos dela decorrentes.  

No que tange à escritura pública, podemos ir ainda mais além. Poderia ainda o próprio notário promover a lavratura do ato e registrá-lo perante a blockchain, mediante procura e requisição dos interessados, para que não reste dúvidas de que estaríamos diante de um ato formalizado originalmente pelo detentor da fé pública, e cujo registro perante a serventia seria também efetuado, além do registro perante a própria blockchain.

Essas situações implicariam ainda análises quanto à questão da territorialidade aos quais limitam a atuação dos notários. Entretanto, para análise das possibilidades daí decorrentes, devemos levar em conta as situações já existentes em nosso ordenamento jurídico. 

Os websites são regulados por entidades cuja finalidade é efetuar o registro dos endereços virtuais utilizados para identificá-los, os denominados domínios.

No Brasil, a entidade que promove referidos controles é o Comitê Gestor da Internet (CGI), denominado também de Registro.Br. Em uma de suas Resoluções, (CGI.br/RES/2008/008/P), no seu art. 4º, consta expressa a obrigatoriedade da informação de endereços físicos aos quais podem ser localizados os proprietários dos domínios na internet, servindo este endereço como se estabelecimento físico fosse no que tange às discussões sobre a legalidade ou ilegalidade de seus atos.  

Desta forma, entender-se ia que determinado arquivo, depositado em domínio cuja localização indicada pelo Comitê Gestor de Internet encontra-se no âmbito territorial cuja fé pública do notário em questão é válida, considera-se o ato como celebrado perante aquele endereço físico.

Trata-se ainda de questão rasa, e que demandaria maiores estudos específicos para fins de averiguação de todos os pormenores a serem desenvolvidos quanto à questão. Mas do que se extrai até o momento, crê-se possível e viável a utilização de atos celebrados no meio eletrônico, de modo que esta questão estender-se-ia para as operações utilizadas através da plataforma da blockchain.

O que se busca auferir com o presente estudo é apresentar a blockchain não como uma ameaça à atividade notarial, mas a utilização desta para fins de garantir a efetiva necessidade e a atuação dos tabeliães dentre os preceitos basilares que lhes foram constituídos: a formalização da vontade das partes.

Enquanto a atividade notarial for vista como um empecilho ao invés de uma solução, as alternativas para que as mesmas sejam afastadas seguirão aparecendo. Entretanto, ao incorporar as ferramentas que são apresentadas, garantidas a sua confiabilidade e a sua segurança, tem-se que esta vem a ser parte da atividade notarial como mais uma forma de prestação do serviço. 

Conclusão

Diante do que se remonta acerca do tema, o estudo realizado é ainda bastante superficial a fim de se obter decisões definitivas. Entretanto, sob um prisma inicial, pode-se afirmar que a tecnologia da blockchain, e qualquer outra que porventura vier a ser implementada para facilitar a vida em sociedade no mundo globalizado, não pode ser vista como uma ameaça à atividade notarial. Mas sim como uma alavanca. 

Tal qual a implementação de máquinas de escrever e os sistemas informáticos acabaram por fulminar a caligrafia cursiva existente nos antigos livros nas serventias extrajudiciais, a implementação de outros sistemas que permitam serem anexados à atividade notarial não exclui o seu escopo: tornar público o ato que necessita ser público. Entretanto, para aqueles cuja publicidade se questiona, realmente se indaga se seria necessário a atuação notarial. 

A blockchain poderia ser interpretada como um risco se a atividade notarial se desenvolvesse tão somente através de reconhecimento de firmas e autenticações de cópia. Porém para quem busca alternativa ao tabelionato para realização destes atos, já existe o uso da certificação digital. Mas a atividade é muito maior que apenas carimbar ou etiquetar documentos. É resguardar a vontade. É perfectibilizar os atos jurídicos. É trazer soluções jurídicas a sociedade. E dentre as soluções que hoje se mostram necessárias, a necessidade de territorialidade é uma das grandes questões a serem resolvidas. 

Por isso entende-se que o mecanismo utilizado pelo tabelião para fins de auferir a vontade das partes e certificar que a mesma preenche os requisitos essenciais para a lavratura do ato notarial poder-se-ia ser realizado mediante o uso da blockchain. Para tal, basta que o notário utilize da ferramenta que lhe é acessível, e não a veja como uma ameaça a ser combatida. Porque a aceitação de ferramentas descentralizadas de validação de transações já encontra-se em franca ascensão. É necessário adaptar-se às novas realidades. Como o notário, que lavrava os atos a mão, se adaptou às máquinas de escrever e posteriormente aos sistemas informáticos. 

O ato notarial eletrônico é a próxima barreira para a atividade. Basta que se saiba posicionar-se para utilizar-se dela e a transpor. Caso contrário, a atividade corre sim sério risco, mas não pelas novas tecnologias, mas pela inaptidão em adaptar-se ao meio. Tal qual Darwin assim descrevia.

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