Estratégias para Recuperar Crédito: como funcionam as Vias Judiciais na Cobrança de Contratos
Juliano Machado
A inadimplência contratual é uma realidade desafiadora no mundo dos negócios, capaz de impactar significativamente o fluxo de caixa e a saúde financeira de qualquer empresa ou profissional.
Diante dessa situação, surge a necessidade de adotar estratégias eficazes para a recuperação dos valores devidos. O caminho para essa recuperação pode trilhar tanto as vias amigáveis e extrajudiciais quanto o rigoroso processo judicial. Compreender as nuances de cada abordagem, seus momentos ideais de aplicação, os riscos envolvidos e as estratégias mais eficazes é crucial para alcançar o objetivo de receber o que é seu, preservando, sempre que possível, o relacionamento com a parte devedora.
Neste guia, exploraremos as principais medidas judiciais de cobrança, oferecendo uma visão detalhada de cada uma delas, com o objetivo de capacitar você a tomar decisões informadas e estratégicas na gestão da inadimplência. Abandonaremos a frieza dos tópicos isolados para construir uma narrativa fluida e educativa, permeada por uma linguagem acessível, que considera a complexidade das relações contratuais e a importância de uma abordagem equilibrada na busca pela recuperação de crédito.
A Abordagem Extrajudicial: O Diálogo como Primeiro Passo para a Solução
Antes de acionar o aparato judicial, que muitas vezes pode ser custoso e demorado, a cobrança extrajudicial surge como uma alternativa promissora e, em muitos casos, mais eficiente. Essa abordagem prioriza o diálogo, a negociação e a busca por um acordo amigável entre as partes. A comunicação transparente e empática pode, muitas vezes, resolver a pendência de forma mais rápida e com menor desgaste para ambos os lados.
Uma das primeiras etapas da cobrança extrajudicial pode envolver o contato direto com o devedor, seja por telefone, e-mail ou até mesmo uma reunião presencial. O objetivo inicial é compreender as razões da inadimplência, buscando identificar se a situação é temporária, fruto de dificuldades financeiras passageiras, ou se há uma intenção clara de não cumprir com as obrigações contratuais. Uma escuta ativa e uma postura compreensiva podem abrir caminho para a negociação de um plano de pagamento, um parcelamento do débito ou outras alternativas que atendam aos interesses de ambas as partes.
Lembre-se que tratando-se do poder público é imprescindível que tudo seja documentado. Toda reunião deve ser escrita uma ata. Cada pedido de pagamento deve ser precedido de um protocolo no órgão. A documentação necessária para o recebimento dos valores devem estar em dia e o empresário deve ficar atento aos empenhos daquele órgão.
O envio de notificações formais, por meio de cartas com aviso de recebimento (AR), também se configura como uma importante ferramenta na esfera extrajudicial. Essas notificações servem para formalizar a cobrança, apresentar o valor devido de forma clara e objetiva, e estabelecer um prazo para o pagamento. Além disso, elas demonstram a seriedade da intenção de cobrar o débito e podem dissuadir o devedor de protelar ainda mais a quitação.
O Poder Persuasivo do Protesto de Contrato: sua ineficácia em relação ao poder público
O protesto de contrato em cartório é outra medida extrajudicial com um forte poder persuasivo quando estamos falando de particulares. Ao levar o contrato a protesto, o inadimplente tem seu nome incluído em cadastros de órgãos de proteção ao crédito, o que pode gerar diversas restrições financeiras, como a dificuldade em obter empréstimos, financiamentos e até mesmo realizar compras a prazo.
O protesto formaliza a dívida perante terceiros e constitui prova do inadimplemento, o que pode ser útil caso a questão precise ser levada à esfera judicial posteriormente. Além disso, a publicidade do protesto pode exercer uma pressão significativa sobre o devedor para que ele regularize a situação o mais rápido possível, evitando maiores prejuízos à sua reputação e ao seu acesso ao crédito.
É importante ressaltar que o protesto deve ser realizado de forma correta, seguindo os requisitos legais, e que o devedor tem o direito de apresentar suas alegações e buscar a sustação do protesto, caso considere a cobrança indevida.
No entanto, sua eficácia é baixa em relação ao poder público. Como os órgãos públicos não se lançam ao mercado financeiro como os particulares, acaba que o protesto do contrato não surte efeitos práticos. Ora, com a realização de um protesto haverá restrição ao crédito e dificuldades para obtenção de dinheiro por parte do particular. Em relação ao poder público isto não ocorre, visto que a maioria dos órgãos já tem seu orçamento fechado e não precisa buscar crédito no mercado.
O Registro da Inadimplência: Protegendo o Crédito da Empresa
Em paralelo ao envio da notificação formal, a empresa credora pode considerar o registro de inadimplência em órgãos de proteção ao crédito, como Serasa e SPC. Essa medida tem como objetivo pressionar a parte devedora a regularizar a situação e também serve como um alerta para outras empresas em futuras negociações com o mesmo cliente ou parceiro.
Antes de realizar o registro, é fundamental verificar se o contrato prevê essa possibilidade e se todos os requisitos legais para a inclusão do nome do devedor nos cadastros de inadimplentes foram cumpridos, incluindo o envio da notificação prévia informando sobre a intenção de realizar o registro. O não cumprimento desses requisitos pode gerar responsabilidade civil para a empresa credora.
O registro da inadimplência deve ser feito com informações precisas e atualizadas sobre o débito. Uma vez que a dívida seja quitada, é responsabilidade da empresa credora solicitar a exclusão do registro dentro do prazo legal.
No caso de contratos formulados com o poder público esta medida se demonstra ineficaz, visto que o órgão público não busca dinheiro no mercado de capital como uma pessoa jurídica privada ou uma pessoa física. No entanto, a comunicação para órgão de controle, tais como os Tribunais de Contas, pode ser um mecanismo de proteção eficaz e que garantirá maior eficácia na cobrança.
O acompanhamento rigoroso dos prazos contratuais é fundamental para identificar rapidamente qualquer atraso no pagamento. Estabelecer um sistema eficiente de controle de contas a receber permite que a empresa aja prontamente diante de um contrato inadimplente, evitando que a dívida se acumule e se torne mais difícil de recuperar.
É importante estar atento aos prazos de prescrição da dívida, que variam de acordo com a natureza do contrato e a legislação aplicável. Perder o prazo de prescrição significa perder o direito de cobrar judicialmente o débito. Portanto, o acompanhamento jurídico desde as fases iniciais da cobrança é crucial para garantir que os direitos da empresa sejam preservados.
Cuidados Jurídicos Essenciais: Quando a Via Amigável se Esgota
Quando todas as tentativas de cobrança amigável e extrajudicial se mostram infrutíferas, a empresa credora pode precisar recorrer à via judicial para reaver os valores devidos. Nesse momento, os cuidados jurídicos se tornam ainda mais importantes.
É essencial contar com o apoio de um advogado especializado para analisar a situação, avaliar as provas disponíveis (contrato, notificações, histórico de comunicação) e definir a melhor estratégia jurídica a ser adotada. As principais medidas judiciais cabíveis em casos de atraso de pagamento contrato incluem:
- Ação de cobrança: Visa obter uma condenação judicial para que a parte devedora seja obrigada a pagar o valor devido, acrescido de juros, correção monetária e custas processuais.
- Ação monitória: É um procedimento mais célere, utilizado quando a empresa possui prova escrita da dívida, como o contrato assinado ou outros documentos que demonstrem a obrigação de pagamento.
- Ação de execução de título extrajudicial: Se o contrato em atraso for considerado um título executivo extrajudicial (como uma nota promissória vinculada ao contrato), a empresa pode ingressar diretamente com uma ação de execução para tentar receber o valor devido de forma mais rápida.
- Rescisão contratual com perdas e danos: Em alguns casos, o atraso no pagamento pode ser motivo para rescindir o contrato e pleitear indenização por eventuais prejuízos sofridos.
Ao ingressar com uma ação judicial, é fundamental apresentar toda a documentação relevante, incluindo o contrato original, as notificações de cobrança enviadas, o histórico de comunicação com a parte devedora e quaisquer outras provas que sustentem o direito da empresa credora.
Ao longo de todo o processo de cobrança de um contrato em atraso, a formalização por escrito de todas as etapas e acordos é um pilar fundamental. Desde o primeiro contato amigável até a assinatura de um eventual acordo de pagamento ou a instrução de uma ação judicial, manter registros claros e documentados protege os direitos da empresa credora e facilita a resolução da situação.
A formalização evita mal-entendidos, comprova as tentativas de negociação, estabelece prazos e condições, e serve como prova em caso de litígio judicial. E-mails, cartas, notificações formais e termos de acordo assinados são documentos valiosos que podem fazer a diferença na recuperação do crédito.
A Mediação e a Conciliação: A Busca por um Acordo Facilitado
A mediação e a conciliação são métodos alternativos de resolução de conflitos que ganham cada vez mais espaço na busca por soluções para a inadimplência contratual, inclusive nos contratos administrativos. Nesses processos, um terceiro imparcial, o mediador ou o conciliador, auxilia as partes a dialogarem, a identificarem seus reais interesses e a construírem, em conjunto, um acordo que seja satisfatório para ambos.
A mediação, em particular, se mostra eficaz em situações onde o relacionamento entre as partes ainda pode ser preservado e onde há espaço para uma negociação mais aprofundada. O mediador atua como um facilitador da comunicação, ajudando as partes a superarem impasses e a encontrarem pontos em comum.
A conciliação, por sua vez, pode ser mais direta, com o conciliador podendo apresentar sugestões de acordo para as partes. Ambas as abordagens são mais céleres e menos custosas do que um processo judicial, além de proporcionarem um maior controle sobre o resultado da negociação, já que a decisão final é sempre das partes envolvidas.
No entanto, devemos lembrar que o poder público possui restrições quanto a possibilidade de negociação, o que impossibilita que realize acordos além do devido ou que reconheça débitos e situações que não as descritas na Lei. Para participar de uma mediação com o poder público, o empresário deve analisar o contrato de forma minuciosa e entender onde poderá ceder para apresentar uma vantajosidade para a administração pública.
A Transição para a Esfera Judicial: Quando a Ação se Torna Necessária
Apesar dos esforços na esfera extrajudicial, nem sempre é possível alcançar um acordo com o devedor. Em situações onde as tentativas de negociação se mostram infrutíferas, onde há uma clara intenção de não pagamento ou quando os prazos de prescrição da dívida se aproximam, a cobrança judicial de contrato se torna o caminho inevitável para a recuperação dos valores devidos.
Diversas medidas legais estão à disposição do credor na esfera judicial, sendo as mais comuns a ação de cobrança e a execução de título extrajudicial. A escolha da ação mais adequada dependerá da natureza do contrato e da existência ou não de um título executivo.
A Ação de Cobrança: Buscando o Reconhecimento Judicial da Dívida
A ação de cobrança é o instrumento judicial adequado quando não há um título executivo extrajudicial que represente a dívida, como um contrato escrito sem a assinatura de duas testemunhas, por exemplo.
Nesse tipo de ação, o credor precisa apresentar provas da existência da relação contratual e do inadimplemento do devedor.
O processo de ação de cobrança geralmente envolve as seguintes etapas:
Petição Inicial: O advogado do credor elabora uma petição inicial, apresentando os fatos, os fundamentos jurídicos e os documentos que comprovam a existência da dívida.
Citação do Devedor: O devedor é citado para apresentar sua defesa no prazo legal.
Fase de Instrução: Caso haja controvérsia sobre os fatos, o juiz poderá determinar a produção de provas, como oitiva de testemunhas, perícias, etc.
Sentença: Após a análise das provas e dos argumentos das partes, o juiz profere uma sentença, julgando procedente ou improcedente o pedido do credor.
- Recursos: Pode ocorrer da sentença não ser favorável a uma das partes e, portanto, ocorrer a apresentação de recursos para o Tribunal de Justiça ou, ainda, para os Tribunais Superiores.
- Fase de Cumprimento de Sentença: Caso a sentença seja favorável ao credor e o devedor não realize o pagamento voluntariamente, inicia-se a fase de cumprimento de sentença, onde serão buscados bens do devedor para a satisfação da dívida.
A ação de cobrança pode ser um processo mais longo e custoso, mas é fundamental quando não há outra forma de obter o reconhecimento judicial da dívida e, consequentemente, a possibilidade de buscar a sua execução.
A Execução de Título Extrajudicial: Agilidade na Busca por Bens
A execução de título extrajudicial é uma via judicial mais célere e direta para a cobrança de dívidas representadas por documentos que a lei considera como títulos executivos, como contratos escritos com a assinatura do devedor e de duas testemunhas, notas promissórias, cheques, duplicatas, entre outros.
Nesse tipo de ação, o credor não precisa passar pela fase de conhecimento, onde se discute a existência da dívida, pois o próprio título já é considerado prova suficiente da obrigação. O processo de execução se inicia diretamente com a busca por bens do devedor que possam ser penhorados para o pagamento da dívida.
As principais etapas da execução de título extrajudicial são:
- Petição Inicial: O advogado do credor apresenta a petição inicial, instruída com o título executivo extrajudicial.
- Citação do Devedor: O devedor é citado para pagar a dívida no prazo legal ou apresentar bens à penhora.
- Penhora de Bens: Caso o pagamento não seja realizado, são buscados e penhorados bens do devedor para garantir o pagamento da dívida.
- Avaliação dos Bens: Os bens penhorados são avaliados para determinar seu valor de mercado.
- Leilão ou Alienação Judicial: Os bens penhorados são levados a leilão ou alienados judicialmente para obter recursos para o pagamento da dívida.
- Pagamento ao Credor: O valor obtido com a venda dos bens é utilizado para quitar a dívida, incluindo juros, correção monetária e custas processuais.
No entanto, em se tratando de ação em face do Estado, ou seja, as ações de execução de título extrajudicial provenientes de contratos administrativos advindos de licitação, o processo é um pouco diferente.
O Estado, aqui compreendido como Município, Estado, União e suas autarquias ou empresas públicas, possuem um rito diferenciado para pagamento judicial de seus créditos.
O rito é um pouco mais simples, visto que não há penhora de bens, com a avaliação destes bens e posterior leilão.
No caso de ações de execução de título extrajudicial em face do Estado há a emissão de um precatório ou Requisição de Pagamento de Valor - RPV para que proceda com o pagamento da quantia devida.
A requisição de pagamento de valor normalmente é adimplida em até 60 (sessenta dias), enquanto que o precatório demora mais de ano.
O precatório é incluído no orçamento do Estado para pagamento no ano seguinte ao seu registro, desde que siga as regras orçamentárias e as prioridades legais (como idosos, pessoas com deficiência e doenças graves).
Portanto, o pagamento de um precatório depende da disponibilidade orçamentária e da ordem cronológica de emissão, com prioridades sendo atendidas primeiro.
Em resumo:
- O Estado (Município, Estado, União, autarquias e empresas públicas) tem um rito diferenciado para pagamento judicial, simplificado sem penhora e leilão de bens.
- A execução de título extrajudicial contra o Estado envolve a emissão de precatório ou RPV para pagamento.
- RPVs são geralmente pagas em até 60 dias, enquanto precatórios levam mais de um ano.
- Precatórios são incluídos no orçamento do ano seguinte, seguindo regras orçamentárias e prioridades legais (idosos, deficientes, doenças graves).
- O pagamento de precatórios depende da disponibilidade orçamentária e da ordem cronológica, com prioridades sendo atendidas primeiro.
A execução de título extrajudicial é mais rápida do que a ação de cobrança, sendo a via preferencial quando o credor possui um título executivo que representa a dívida.
Dicas de Estratégias Eficazes e Riscos Envolvidos
Independentemente da via escolhida para a cobrança, seja ela extrajudicial ou judicial, algumas estratégias podem aumentar as chances de sucesso e minimizar os riscos são fundamentais.
A documentação da licitação e da empresa deve estar completa e organizada. Mantenha todos os documentos relacionados ao contrato (contrato original, aditivos, comprovantes de entrega de mercadorias ou prestação de serviços, notificações de cobrança, etc.) organizados e de fácil acesso. Isto facilita - muito - o trabalho do advogado na organização da ação.
O encaminhamento do Registro das Comunicações realizadas com o Estado é relevante. Documente todas as tentativas de contato e negociação com o devedor, guardando cópias de e-mails, cartas e protocolos de ligações.
Aspecto que deve-se tomar cuidado diz respeito a Análise da Capacidade de Pagamento do Devedor. Antes de iniciar qualquer medida, procure obter informações sobre a situação financeira do devedor e a existência de outros débitos. Isso pode influenciar a escolha da estratégia de cobrança. Nos sites da transparência de cada órgão público é possível verificar o nível de endividamento, os pagamentos dos precatórios e saber como está a situação financeira daquele órgão.
Lembre-se de ter Flexibilidade na Negociação. Nas esferas extrajudicial e judicial, esteja aberto a negociar e buscar soluções que sejam viáveis para ambas as partes. Uma postura inflexível pode dificultar a obtenção de um acordo. Tome cuidado com os Prazos Prescricionais, que variam de acordo com a natureza do contrato. Perder o prazo prescricional pode impossibilitar a cobrança judicial do débito.
Uma Abordagem assertiva na Busca pela Recuperação de Créditos
Em todo o processo de cobrança, desde o primeiro contato extrajudicial até a eventual ação judicial, é fundamental adotar uma abordagem assertiva, que reconheça a complexidade das situações de inadimplência e busque soluções justas e equilibradas. Isso não significa abrir mão do direito de receber o que é devido, mas sim buscar fazê-lo de forma ética, transparente e, sempre que possível, preservando o diálogo e o respeito entre as partes.
A inadimplência pode ser resultado de imprevistos, dificuldades financeiras passageiras ou até mesmo de má-fé. Compreender a causa da inadimplência e adotar uma postura compatível pode facilitar a negociação e aumentar as chances de uma resolução amigável. Mesmo na esfera judicial, a busca por acordos e a demonstração de boa-fé podem influenciar positivamente o resultado do processo.
Em suma, a cobrança de valores devidos em contratos exige uma análise cuidadosa de cada situação, a escolha estratégica das medidas mais adequadas e uma abordagem que garanta o sucesso das medidas propostas. Ao compreender as nuances das vias judiciais e extrajudiciais e ao adotar estratégias eficazes, você estará mais preparado para navegar pelos desafios da inadimplência e alcançar seus objetivos de forma sustentável.