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As consequências jurídicas pelo descumprimento de determinações do Poder Público diante da Pandemia do COVID-19

Em meio a diversas restrições impostas pelo Poder Público aos cidadãos a fim de frear a disseminação do COVID-19, surge o questionamento: posso ser responsabilizado civil e criminalmente pelo descumprimento das determinações?

A resposta é sim!

Do ponto de vista criminal, o descumprimento das determinações do Poder Público, tanto da esfera federal, como estadual e municipal, implica no cometimento do crime de infração de medida sanitária preventiva, prevista no art. 268 do Código Penal, que assim dispõe:

Art. 268 - Infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa:

Pena - detenção, de um mês a um ano, e multa.

Parágrafo único - A pena é aumentada de um terço, se o agente é funcionário da saúde pública ou exerce a profissão de médico, farmacêutico, dentista ou enfermeiro.

É importante mencionar que para que fique caracterizado o crime acima indicado, é necessário que o agente descumpra uma determinação, de modo que o descumprimento de recomendações não são passíveis de punição.

Deve-se, portanto, diferenciar o que é determinação e recomendação. Como exemplo, podemos citar o seguinte caso: um município promulga um decreto que recomenda aos idosos que permaneçam em casa até segunda ordem e determina toque de recolher entre as 22h da noite e 6h da manhã.

Na hipótese, caso um idoso seja encontrado fora de sua residência durante o dia, provavelmente será informado sobre os riscos da pandemia e recomendado que retorne ao seu lar imediatamente - NÃO HÁ O COMETIMENTO DE CRIME.

Entretanto, se o mesmo idoso for encontrado fora de sua residência no horário determinado como toque de recolher, poderá ser preso em flagrante delito pelo cometimento do crime previsto no artigo 268 do Código Penal.

Importante destacar que qualquer um pode ser o agente do referido crime, desde que aja com dolo (quando existe a intenção de cometer o crime), ainda que genérico, não sendo necessário que se consume o contágio da doença a outras pessoas. Ou seja, por se tratar de crime formal, pelo simples fato de descumprir a determinação do Poder Público, o agente pode e deve ser responsabilizado criminalmente, não sendo necessário que tenha a intenção de contaminar alguém.

Além disso, no caso de a conduta do agente resultar em lesão corporal grave, a pena será aumentada. Por sua vez, no caso específico de o agente ter a intenção de contaminar determinada(s) pessoa(s), se a conduta resultar em lesão corporal ou morte, o agente deverá ser enquadrado, respectivamente, nos crimes previstos nos artigos 129 e 121 do Código Penal, além do crime previsto no artigo 268 do mesmo diploma legal.

No crime de infração de medida sanitária preventiva, também são enquadrados os seguintes casos:

- pessoas que descumpram o isolamento, quando existir determinação para tanto;

- pessoas que descumpram a quarentena, quando existir determinação para tanto;

- pessoas que se recusem a realizar exames e testes laboratoriais, quando existir suspeita de COVID-19;

- pessoas que se recusem a receber vacinas ou outras medidas profiláticas, quando exista determinação para tanto;

- pessoas que se recusem a se submeter ao tratamento médico para o COVID-19;

- pessoas que não comuniquem aos órgãos sanitários responsáveis que retornaram de viagem ao exterior ou tiveram contato com quem retornou, quando existir determinação para tanto;

- médicos e outros profissionais da saúde que deixem de notificar os órgãos competentes, nos casos suspeitos de COVID-19.

No que se refere à esfera civil, esta segue a lógica da responsabilidade civil por cometimento de ato ilícito. Ou seja, o agente que cometer ato ilícito e causar dano a outrem, tem obrigação de repará-lo.

Nestes termos, dispõe o artigo 927 do Código Civil: 

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito ( arts. 186 e 187 ), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

Por sua vez, o artigo 186, também do Código Civil, traz o conceito de ato ilícito:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

No caso concreto de uma doença viral como o COVID-19, a parte lesada pode ser tanto a coletividade, como uma pessoa específica. Não obstante, para a caracterização do ato ilícito, a ação ou omissão do causador do dano deve ser voluntária, ou seja, não caberia a responsabilização civil de alguém que, seguindo todas as determinações e recomendações do Poder Público, não sabe que está infectada com a doença e acaba por contagiar outras pessoas sem intenção; ou, ainda, uma pessoa que teve contato sem saber com alguém que veio do exterior há poucos dias, deixa de notificar as autoridades competentes e acaba por contaminar outras pessoas.

É um cenário diferente dos casos de negligência ou imprudência, nos quais, como exemplo, uma pessoa que retornou do exterior há poucos dias, mesmo sem ter o diagnóstico ou descarte do COVID-19, quebra o protocolo de isolamento e vai a um supermercado, onde tem contato com diversas pessoas e acaba por infectá-las. Neste caso, o causador do dano assumiu o risco de contaminar outras pessoas, causando dano à coletividade e também às pessoas específicas que foram infectadas, que poderão acioná-lo judicialmente.

Por não termos passado por nenhuma situação parecida nos últimos cinquenta anos no Brasil, é difícil encontrarmos exemplos concretos análogos ao COVID-19. Entretanto, é certo que em breve estaremos diante de casos de responsabilização civil e criminal em razão da pandemia que se instalou.

O grande ponto é que, no momento delicado em que vivemos, deve-se ficar atento a todos os atos do Poder Público para cumprimento de determinações e recomendações relacionadas ao COVID-19, não somente a fim de se resguardar juridicamente, mas também para a rápida solução da pandemia mundial que nos assola.

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