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Você sabe quais são os principais motivos que levam ao superendividamento?

Um pequeno deslize aqui, outro ali. Um dos cartões de crédito atrasou. Agora foi o financiamento do carro. A necessidade de controle de gastos e a sensação de que o que se ganha não é mais suficiente para bancar as despesas da casa e manter uma vida digna. Em busca de uma alternativa, se realiza o refinanciamento dos créditos, ampliando o número de parcelas e consequentemente aumentando a dívida e os juros aplicados. Até que se chega em um ponto onde a pessoa não possui mais as mínimas condições de manter sua vida, em que as dívidas engoliram o sujeito, excluindo-o da sociedade de consumo.

A situação é comum e pesquisas recentes indicam que as famílias brasileiras estão muito endividadas.

Em matéria jornalística divulgada no site Agência Brasil1 em 31 de março de 2022, noticiava-se que a parcela de famílias com dívida, em atraso ou não, era de 77,5%. Desde o início da Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (PEIC), em 2010, este foi o índice mais alto, segundo a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC). No mês de fevereiro de 2022 o percentual era de 76,6%, já em março a taxa era de 67,3%, de acordo com a PEIC. Impressiona o número de inadimplentes, ou seja, famílias com contas ou dívidas em atraso, que chegou a 27,8%, o segundo maior percentual da pesquisa, ficando abaixo apenas daquele registrado no primeiro mês da PEIC, em janeiro de 2010 (29,1%). Em fevereiro, a taxa ficou em 27% e em março de 2021, 24,4%.

As famílias que não conseguiram adimplir com suas dívidas ou contas em atraso somam 10,8%, acima dos percentuais de fevereiro deste ano e de março do ano passado (ambos 10,5%). A composição das dívidas é formada pelo cartão de crédito, com maior representatividade na composição, respondendo por 87% dos motivos de endividamento no país, seguido pelos carnês (18,7%), financiamento de carro (11,2%), crédito pessoal (9,4%) e financiamento de casa (8,6%).

A excessiva oferta do crédito, através dos meios publicitários, pode ser considerado um dos fatores para o superendividamento da população, que sem condições de discernir sobre o que está contratando, acaba por contratar em excesso. Afinal de contas, o que o banco vende? Crédito! O banco ao “ajudar” na compra de um carro, de uma casa ou concedendo o cartão para a tão sonhada viagem está, na verdade, vendendo um produto. E esse produto é o financiamento daqueles bens de consumo, muitas vezes supérfluos (vamos combinar, ninguém precisa de um telefone de última geração que custa R$ 6 mil reais).

O superendividamento resta configurado quando o sujeito já não consegue mais saldar suas dívidas, há um endividamento excessivo. O artigo 54-A do Código de Defesa do Consumidor estabelece os requisitos para que se configure o superendividamento. O parágrafo primeiro do artigo estabelece que o superendividamento é a impossibilidade manifesta de o consumidor pessoa natural, de boa-fé, pagar a totalidade de suas dívidas de consumo, considerando-se as exigíveis e as vincendas, sem que haja o comprometimento de seu mínimo existencial. As dívidas mencionadas englobam todos os compromissos financeiros assumidos decorrentes de relação de consumo, inclusive as operações de crédito, compras a prazo e serviços de prestação continuada (água, luz, telefone), conforme redação do parágrafo segundo do mesmo artigo. É afastado o reconhecimento do superendividamento ao consumidor que as dívidas tenham sido contraídas por fraude ou má-fé, mediante a pactuação de contratos dolosos com o propósito de não proceder com o pagamento ou de produtos de luxo de alto valor, conforme parágrafo terceiro.

O artigo 54-B do Código de Defesa do Consumidor prescreve que no fornecimento de crédito e na venda a prazo, além das informações obrigatórias previstas no artigo 52 e legislação correlatada, deverá o fornecedor ou intermediário informar o consumidor, de forma prévia à contratação e de forma adequada, no momento da oferta sobre as diversas condições de contratação. No entanto, a prescrição, ao que tudo indica, não soluciona o problema. Não é a informação esmiuçada que fará com que o consumidor tome melhor consciência do que está contratando, em especial, se considerar um hipervulnerável que necessite daquela quantia para adimplir com as despesas mensais de sua residência. A norma reforça o dever de informação, já existente no Código, contudo, na prática, não é capaz de prevenir a contratação de crédito, não é norma que aplique maior consciência na contratação.

Dentre os deveres de informação estabelecidos pela Lei do Superendividamento, parece-nos que o que de forma precária atende a prevenção do endividamento excessivo do consumidor, diz respeito ao artigo 54-D, inciso II, que exige do fornecedor avaliar, de forma responsável, as condições de crédito do consumidor, mediante análise das informações disponíveis em bancos de dados de proteção ao crédito. Ademais, o parágrafo único do mesmo artigo prescreve que o descumprimento dos deveres do caput e artigos 52 e 54-C pode acarretar a redução dos juros, dos encargos ou de qualquer acréscimo ao principal e a dilação do prazo de pagamento previsto no contrato original, considerando-se a gravidade da conduta do fornecedor e as possibilidades financeiras do consumidor, sem prejuízo de outras sanções e indenizações.

Por força deste artigo, na contratação do crédito, há a transferência da obrigação de estudo da vida financeira do consumidor para a empresa fornecedora, que deverá consultar os órgãos de crédito para averiguar a capacidade financeira do consumidor em garantir o adimplemento do valor e ver seu mínimo existencial garantido. O que, a nosso ver, pode limitar a atuação das empresas fornecedoras de crédito – e consequentemente prevenir o superendividamento – é a combinação do artigo 54-D com o artigo 6°, inciso VIII. É que ao haver a possibilidade de inversão do ônus probatório do consumidor, diante da obrigatoriedade de realização de consultas para fornecimento do crédito de forma consciente por parte da empresa, considerando-se ainda às penalidades previstas no parágrafo único do artigo 54-D, poderão as empresas incorrer em negativa de concessão de crédito para alguns consumidores. Ao haver a contestação dos contratos em juízo, poderão as empresas serem obrigadas a apresentar os documentos internos que levaram ao convencimento de que aquele crédito está sendo fornecido de forma responsável, sob pena de verem aplicadas sanções que descaracterizam o contrato de fornecimento de crédito.

As alterações provocadas pela Lei do Superendividamento pouco reflexo possui na conscientização do consumidor quanto à concessão de crédito ou no que diz respeito a restrição ao fornecimento de crédito. São medidas retraídas de prevenção, não sendo capazes de proteger os consumidores de acabarem por se inserirem em condição de superendividamento. Contudo, prescrevem obrigações de informação às empresas de concessão de crédito que o dever de informação previsto no artigo 6°, inciso III, já estabelecia. Por fim, por mais informações que se entregue ao consumidor, se este não souber processá-las, de nada adiantarão, oportunidade em que ao invés de se estabelecer conduta transparente, estar-se-á por entregar opacidade ao mercado de consumo.

O consumidor que estiver inserido nesta situação cabe o ingresso de medidas judiciais e extrajudiciais com a finalidade de “estancar” o crescimento destes débitos e buscar, junto aos credores, melhores soluções para o pagamento das dívidas que possui. Para tanto, o PROCON e o Poder Judiciário são grandes aliados nesta batalha, sendo imprescindível a organização de planilha de pagamento dos débitos e a estruturação de requerimentos bem fundamentados.

 

1- link: https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2022-03/endividamento-de-familias-atinge-nivel-recorde-em-marco-diz-cnc

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