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A remuneração da Serventia Extrajudicial: os interinos, os concursados o Tema 779 e a ADI 1183

A remuneração das serventias extrajudiciais se dá por meio dos emolumentos. Os emolumentos possuem uma natureza de ordem tributária, equivalentes às taxas, e portanto somente podem ser cobrados em conformidade com o que encontra-se estabelecido em lei.

Eles seguem uma tabela organizada por cada Estado, onde constam os fatos geradores destes encargos, bem como hipóteses de cobrança diferida e a gratuidade de alguns atos. Por se tratar de um encargo estabelecido por lei, os notários e registradores não possuem a liberdade de fazer promoções, ofertar descontos, por se tratar de uma indisponibilidade da própria atividade.

 

Remuneração de notários e registradores

Esta é a forma como a serventia se remunera. Mas o que pouca gente conhece é como funciona a remuneração do próprio oficial. Antes de mais nada, é importante destacar que a atividade notarial e registral é considerada um serviço público delegado a um particular.

Portanto, não se trata de uma autarquia pública, onde o Estado estabelece os seus cargos e rege a sua atividade. Mas também não é uma atividade privada, onde cada um pode abrir seu próprio cartório. A criação de uma serventia extrajudicial é originada de Lei Estadual, e o seu responsável é provido por meio de concurso público.

O titular da serventia é quem promove as contratações que entender pertinente, pois como delegatário do serviço público, ele é o responsável pela gestão do ofício de registro ou o tabelionato. E aqui há uma grande diferença entre como é estabelecida a titulação deste oficial.

 

O titular concursado

Para aqueles oficiais de registros e tabelionatos que são providos por concurso público, cabe a eles a remuneração pelos emolumentos. Destes emolumentos, estes oficiais detém autonomia para gerir o seu cartório, utilizando-se destes para pagamento de aluguel, funcionários, prestadores de serviços, etc. Os emolumentos recebidos servem, portanto, para custear a serventia, e o que sobra deste custeio é a remuneração do notário ou do registrador concursado.

 

O titular interino

Quando uma serventia encontra-se vaga, ou seja, sem um titular provido por concurso público, a ela, é designado um interino. Essa vacância pode se dar em virtude de falecimento do anterior titular, a perda da titularidade em virtude de exoneração, ou pela assunção do titular em outra serventia. Em qualquer dos casos, o cartório não pode ficar sem ter um responsável, pois se trata de um serviço essencial.

Assim, durante o período de vacância, até que seja promovida a nomeação de um novo titular concursado, a serventia fica a cargo de um interino. Este interino pode ser um substituto mais antigo em atuação na serventia, ou um titular de mesma especialidade em serventias próximas.

Esta escolha compete à Direção do Foro da Comarca onde o cartório está instalado, mediante critérios estabelecidos pela Corregedoria Geral de Justiça do Estado e pelo Conselho Nacional de Justiça. Dentre estes critérios, é importante destacar que não é permitido que a titulação interina recaia a um familiar do anterior delegatário, com base no Provimento 77/2018 do CNJ, que tornou mais clara a questão do nepotismo nas esferas extrajudiciais.

 

Mas e como fica a remuneração destes interinos?

Por se tratar de uma designação provisória, os Tribunais Superiores entendem que a remuneração deste interino não pode ser equivalente a dos concursados, justamente para evitar uma desproporcionalidade. Mas como se trata de um serviço público delegado, e não uma contratação direta pelo Estado, como o interino se remunera?

Considerando que os emolumentos recebidos durante o período da interinidade não pertencem ao interino, mas sim ao Estado, cabe a ele promover apenas a gestão destes recursos. E, por esta gestão, o interino pode receber até 90,25% do salário base de um ministro do Supremo Tribunal Federal, o que equivaleria em agosto de 2023 a R$ 37.589,96.

 

Mas porque "pode" receber até este valor?

Por que este valor não provém do Estado, mas sim dos próprios emolumentos. Ao final de cada mês, o interino deve prestar contas ao Tribunal de Justiça, indicando as receitas e despesas, e, ao final, reter a sua parcela até o teto estabelecido, e depositando o remanescente ao Estado. Portanto, caso a serventia não tenha receita suficiente para que o interino retenha o valor a ele devido, ele pode receber menos do que estiver ali estabelecido.

 

E o que pode ser lançado como despesa?

Por se tratar de uma gestão de recurso público - considerando que na interinidade os emolumentos pertencem ao Estado - as despesas a serem realizadas pelo interino dependem de autorização do Juízo da Direção do Foro para poderem ser contabilizadas. Portanto, para contratação de funcionários, aquisição de materiais, locação do imóvel ou qualquer despesa da serventia depende de prévia autorização judicial. É uma forma de controle, para evitar gastos excessivos e assim, utilização indevida do recurso público.

 

O tema 779 do Supremo Tribunal Federal

A atividade das serventias extrajudiciais é regida pela Lei 8.935/94, denominada Lei dos Notários e Registradores, que estabelece em seus regramentos, a forma de remuneração, conforme acima referido. Uma vez que a lei era um tanto dúbia quanto à questão da interinidade e da organização das serventias, não promovendo uma distinção adequada a respeito dos efeitos quanto à esta condição provisória, muitas das serventias, no uso das atribuições que lhe cabiam, eram regidas de forma completamente autônoma, tal qual uma serventia de um titular provido. E isso implicava, também, na manutenção dos emolumentos em favor do oficial designado interinamente.

O Conselho Nacional de Justiça, por meio da Resolução 80 de 2009, regulamentou a questão das vacâncias, e, posteriormente, por meio do Ofício Circular nº 25/CNJ/COR, de 2010, estabeleceu a aplicação do teto remuneratório a quem estivesse respondendo por estas serventias.

Ocorre que as discussões que permeiam o tema foram alvo de inúmeras ações, que discutiam, em síntese, a legalidade do Conselho Nacional de Justiça de, por meio de provimentos internos e resoluções normativas, alterar substancialmente dispositivos federais. Estas discussões levaram a diversos mandados de seguranças impetrados pelos interessados, de modo que haviam interinos que estavam submetidos ao teto remuneratório, e interinos que não eram obrigados a obedecer a esta limitação.

O Supremo Tribunal Federal, utilizando-se como Leading Case o Recurso Extraordinário 808.202/RS, firmou a Tese Jurídica 779, que estabelece que "Os substitutos ou interinos designados para o exercício de função delegada não se equiparam aos titulares de serventias extrajudiciais, visto não atenderem aos requisitos estabelecidos nos arts. 37, inciso II, e 236, § 3o, da Constituição Federal para o provimento originário da função, inserindo-se na categoria dos agentes estatais, razão pela qual se aplica a eles o teto remuneratório do art. 37, inciso XI, da Carta da República".

Neste recurso, em sede embargos declaratórios, foi também firmado o entendimento de que o estabelecimento de teto remuneratório teve a sua consolidação quando do início do julgamento, em 20 de agosto de 2020. Portanto, àqueles notários e registradores que recebiam os emolumentos integrais (e não apenas o teto remuneratório) enquanto interinos, somente passariam a estarem restritos a esta limitação após o dia 21 de agosto de 2020.

Entretanto, os demais interinos que antes desta data já promoviam o depósito dos excedentes e limitavam-se ao teto remuneratório, por sua vez, não seriam efetivamente obrigados a fazê-lo, uma vez que a decisão que estabelece o marco temporal mostra-se violadora de uma isonomia. Se todos os oficiais interinos submetem-se aos mesmos regimes, por que razão aqueles que promoveram os depósitos de excedentes antes de agosto de 2020 não poderiam reavê-lo, uma vez que reconhecida a dubiedade pela própria Suprema Corte a respeito do tema?

 

E o que a ADI 1183 tem a ver com isso?

A ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) 1183 discute a validade constitucional da Lei 8.935/94, em especial quanto ao art. 48 original da referida lei, que versava sobre a relação trabalhista dos prepostos das serventia. Essa ADI foi protocolizada em 21 de dezembro de 1994 e até hoje encontra-se em tramitação, uma vez que alguns dos debates ali mencionados, as decisões prolatadas vêm sendo alvo de novas intervenções para adequação à realidade atual. E uma delas, em especial, refere-se à condição da titulação.

O tema atualmente em questão a ser debatido na ADI refere-se à distinção entre os interinos que se encontram nesta condição por serem substitutos dos anteriores delegatários (que já trabalhavam na serventia), e aqueles que estão nesta condição por se tratarem de oficial provido em serventia próxima.

Segundo estabelece a lei, as serventias não poderiam permanecer vagas por mais de 6 (seis) meses, quando deveria haver concurso público para provimento do cargo. Entretanto, a realidade é bastante distinta. Existem serventias que permanecem anos na condição de vacância, aguardando a realização de concurso público. Nestes casos, as discussões que se põem em pauta é: os interinos que substituem o anterior delegatário, que atuavam na serventia nesta condição de oficial substituto, poderiam permanecer mais de seis meses como designados pela serventia?

Isto porque resta dúvida se haveria distinção entre o interino provido em outra serventia e o interino substituto. Segundo alguns entendimentos, o interino substituto poderia permanecer no cargo apenas por seis meses, período suficiente para que um titular provido em outra serventia assumisse o cartório, também como designado. É como votou o relator dos Embargos de Declaração na própria ADI, o Ministro Nunes Marques, referindo que "na falta de titular na serventia, a interinidade do não concursado deve ser evitada ou restringida ao prazo de seis meses, preferindo-se, sempre, substitutos concursados com a titularidade de outras serventias, salvo quando não houver interessados, situação que o Tribunal de Justiça resolverá.".

Neste voto, foi acompanhado pela Ministra Carmen Lúcia, e, divergindo apenas em parte, quanto ao início do marco temporal dos seis meses, o Min. Alexandre de Moraes. Segundo o relator, Min. Nunes Marques, a contagem do prazo de seis meses de interinidade dar-se-ia ao final do julgamento, com o trânsito em julgado, enquanto que o Min. Alexandre de Moraes vota pela possibilidade de aplicação imediata da restrição, de modo que os Tribunais de Justiça Estaduais já pudessem promover os atos necessários à extinção das delegações dos interinos substitutos.

Após o voto do Min. Alexandre de Moraes, o Min. Dias Toffoli pediu vista para prolação de sua decisão, que fora apresentada em 11 de setembro de 2023, em que resumiu sua decisão para fins de "(ii) esclarecer que o substituto não concursado ficará limitado a exercer a titularidade da serventia pelo prazo de seis meses apenas na hipótese de vacância, isto é, quando ele estiver na interinidade do cartório, porque nesse caso age em nome próprio e por conta própria; (iii) declarar que a interpretação conforme ao art. 20 da Lei n. 8.935/1994, consignada no acórdão embargado e ora esclarecida, somente se aplica a partir da conclusão deste julgamento, preservada a validade dos atos anteriormente praticados”.

Após os votos dos Mins. André Mendonça, Edson Fachin, Roberto Barroso e Cristiano Zanin, acompanhando o relator Min Nunes Marques, e dos Mins. Gilmar Mendes, Rosa Weber e Luiz Fux, acompanhando a divergência do Min. Alexandre de Moraes, fora julgados os embargos declaratórios em 19 de outubro de 2023, com parcial acolhimento, com o julgamento assim resumido:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ERRO MATERIAL. RETIFICAÇÃO. ESCLARECIMENTOS. MODULAÇÃO DOS EFEITOS. RAZÕES DE SEGURANÇA JURÍDICA. 1. Os embargos de declaração constituem meio adequado ao saneamento de erro material como o contido na parte dispositiva do acórdão formalizado nesta ação direta de inconstitucionalidade. 2. No tocante à interpretação conforme à Constituição Federal atribuída ao art. 20 da Lei n. 8.935/1994, cabe o esclarecimento de que o substituto não concursado ficará limitado a exercer a titularidade da serventia pelo prazo de seis meses apenas na hipótese de vacância, isto é, quando ele estiver na interinidade do cartório, porque nesse caso age em nome próprio e por conta própria, sem se reportar a um titular (CF, art. 236, § 3º). 3. Ultrapassados os seis meses decorrentes de vacância da serventia, a solução constitucionalmente válida é a indicação, como substituto, de outro notário ou registrador, observadas as leis locais de organização do serviço notarial e registral, ressalvada a possibilidade de os tribunais de justiça indicarem substitutos ad hoc, quando não houver, entre os titulares concursados, interessado que aceite a substituição, sem prejuízo da imediata abertura de concurso público para preenchimento da(s) vaga(s), e respeitado, em qualquer caso, na remuneração do interino, o teto constitucional (CF, art. 37, XI) 4. O cartório privatizado passa a submeter-se ao regime celetista no momento em que deixa de ser oficializado, e não com a vigência da Lei n. 8.935/1994, circunstância que afasta a ressalva do art. 32 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. 5. O direito dos servidores públicos que trabalhavam em cartórios privados de optarem por continuar ocupando o cargo público implica subordinação ao estatuto respectivo e às normas administrativas dos tribunais de justiça a que se vinculam, o que não dá margem à invasão da competência privativa da União para legislar sobre direito do trabalho (CF, art. 22, I). 6. Modulou-se a eficácia da decisão (Lei n. 9.868/1999, art. 27) para determinar-se a incidência dos efeitos, no tocante ao art. 20 da Lei n. 8.935/1994, apenas a contar da data da conclusão deste julgamento, de forma que a determinação de progressiva troca, por outros titulares de serventia extrajudicial, dos substitutos de titulares de cartório extrajudicial então em exercício que não forem notários ou registradores (CF, arts. 37, II, e 236, § 3º) se aplique em até seis meses, contados da conclusão deste julgamento, preservada a validade dos atos anteriormente praticados. 7. Embargos de declaração conhecidos e providos em parte.

Em síntese, o que se definiu a partir do julgamento foi que: a) as serventias que vierem a vagar podem ficar sob responsabilidade do substituto do anterior oficial por um período máximo de seis meses, ocasião em que deverá ser designado um outro oficial concursado de outra serventia para responder em caráter interino, até o provimento por concurso público; e b) que o prazo de seis meses dos anteriores subsitutos que se encontravam na condição de interinidade passasse a contar a partir da decisão daquele julgado.

Com base nesta decisão, os Tribunais de Justiça dos Estados, orientados pelo Conselho Nacional de Justiça, passaram a promover a revogação das nomeações dos interinos que encontravam-se nestas condições. No Estado do Rio Grande do Sul, restou estabelecida a data limite de 31 de março de 2024 para que as delegações dos então interinos nestas condições fossem revogadas, e designando oficiais providos em outras serventias para assunção interina destes cartórios.

A decisão, entretanto, ainda não transitou em julgado. Em 01 de dezembro de 2023 foram opostos novos embargos declaratórios quanto à decisão, que atualmente encontra-se aguardando conclusão ao relator Min. Nunes Marques. A ADI 1183 ainda permanece gerando divergências e discussões nos cartórios do Brasil. E somente o trânsito em julgado desta decisão poderá promover um entendimento pacífico e aplicável à classe dos notários e registradores.

 

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