WhatsApp

Blog

Veja nossas postagens

As relações de trabalho em meio à pandemia da COVID-19

Para compreendermos o que mudou sobre as relações de trabalho com a Medida Provisória 927/20, temos que ter em mente que nosso atual presidente é declaradamente pró-empregador, tanto que esta foi uma de suas plataformas durante a campanha que culminou na sua eleição.

As medidas emergenciais trazidas pelo Governo Federal, no tocante aos Direitos Trabalhistas, têm o condão de proteger a economia e os empregadores, de modo que os direitos que protegem diretamente o trabalhador basicamente continuam sendo aqueles já dispostos previamente à pandemia.

Mas afinal, o que mudou? A Medida Provisória 927/20 trouxe opções ao empregador para redução do ônus e manutenção da mão de obra até o fim do caos econômico.

Listamos abaixo as alterações:

1) POSSIBILIDADE DE ACORDO ESCRITO ENTRE EMPREGADOR E EMPREGADO 

Empregado e patrão podem, bilateralmente, negociar sobre o contrato de trabalho, a fim de mantê-lo durante a crise do COVID-19, nos limites da Constituição. 

A possibilidade de acordo individual entre patrão e empregado já era aplicada a matérias específicas e respeitava, além da Constituição, as previsões da CLT e os acordos e convenções coletivos.

Com a MP 927/20, os acordos individuais terão prevalência sobre os coletivos e CLT, o que abre uma gama maior para negociação.

2) MEDIDAS DE ENFRENTAMENTO DA CRISE DO COVID-19

2.1) TELETRABALHO

O empregador poderá determinar que o empregado passe a desenvolver suas atividades por meio remoto (home office), mesmo sem a concordância do trabalhador e sem registro da alteração no contrato de trabalho.

Para tanto, deverá notificar o empregado com antecedência mínima de 48 horas, inclusive por meio digital (e-mail, Whatsapp, etc.), tendo obrigação de fornecer o material e infraestrutura para possibilitar o labor nessas condições.

É importante ressaltar que o uso de aplicativos e programas relacionados ao trabalho fora do horário da jornada normal, não implicam no reconhecimento de labor extraordinário.

2.2) DA ANTECIPAÇÃO DAS FÉRIAS

O empregador fica autorizado a antecipar o gozo das férias do empregado, ainda que não tenha terminado o período aquisitivo de referência, mediante a notificação do trabalhador com antecedência mínima de 48 horas, que também pode ser por meio digital.

O pagamento das referidas férias poderá se dar juntamente com a remuneração (até o quinto dia útil do mês seguinte) e o pagamento do terço constitucional poderá ser realizado em momento posterior, até o dia 20/12/2020.

As férias devem ter no mínimo 05 dias corridos e deve-se priorizar a concessão às pessoas que pertencem aos grupos de risco do COVID-19.

Ainda no tocante às férias, o empregador poderá suspender as férias ou licenças não remuneradas dos profissionais da área de saúde ou daqueles que desempenhem funções essenciais (notificação com no mínimo 48 horas de antecedência, inclusive por meio digital).

2.3) FÉRIAS COLETIVAS

O empregador poderá conceder férias coletivas aos empregados, notificando-os com 48 horas de antecedência, inclusive por meio digital, estando dispensadas a notificação ao órgão local do Ministério da Economia e a comunicação aos sindicatos representativos da categoria profissional.

2.4) APROVEITAMENTE E ANTECIPAÇÃO DE FERIADOS

O empregador pode antecipar unilateralmente (sem a concordância do empregado) o gozo dos feriados não religiosos, inclusive para compensação em banco de horas. 

Para antecipação de feriados religiosos deve haver concordância do empregado por meio de acordo individual escrito. 

Novamente, o empregador deverá notificar o empregado com 48 horas de antecedência, inclusive por meio digital.

2.5) BANCO DE HORAS

É facultada a interrupção das atividades da empresa e compensação das horas por regime especial, no prazo de 18 meses contados do encerramento do estado de calamidade pública.

Tal medida depende de concordância do empregado por meio de acordo individual escrito, sendo que a compensação posterior não poderá ser maior do que duas horas diárias e sem a jornada exceder 10 horas diárias.

2.6) SUSPENSÃO DE EXIGÊNCIAS ADMINISTRATIVAS EM SEGURANÇA E SAÚDE NO TRABALHO

Fica suspensa, até o fim do estado de calamidade pública, a exigência de realização de exames médicos ocupacionais, clínicos e complementares, exceto de exames demissionais.

Os referidos exames deverão ser realizados no prazo de 60 dias, a partir do fim do estado de calamidade pública.

Em relação ao exame demissional, este fica dispensado, caso o último exame ocupacional tenha sido realizado nos últimos 180 dias. 

Também fica suspensa, até o fim do estado de calamidade pública, a obrigatoriedade de treinamentos periódicos dos empregados sobre saúde e segurança do trabalho.

Os mencionados treinamentos poderão ser realizados por meio digital e, quando impossível, deverão ser repostos no prazo de 180 dias após o fim do estado de calamidade pública.

2.7) DIFERIMENTO DO RECOLHIMENTO DO FUNDO DE GARANTIA DO TEMPO DE SERVIÇO

A exigibilidade de recolhimento do FGTS fica suspensa no que se refere às competências dos meses março, abril e maio de 2020, para todas as empresas, não sendo necessário cadastramento prévio para gozo do benefício.

O débito referente a estas competências poderá ser pago em até seis parcelas mensais, sem a incidência da atualização, da multa e dos encargos, com vencimento no sétimo dia de cada mês, a partir de julho de 2020, devendo ser declaradas as informações necessárias ao Conselho Curador do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço até 20 de junho de 2020.

Em caso de rescisão do contrato de trabalho durante o período de suspensão, o empregador é obrigado a pagar a totalidade dos valores suspensos, sem incidência da multa e dos encargos devidos.

3. OUTROS ASPECTOS IMPORTANTES DA MP 927/20

Os estabelecimentos de saúde podem prorrogar a jornada de trabalho de empregados que trabalhem em condições insalubres e em escala 12/36 horas, mediante acordo individual escrito e com possibilidade de compensação em banco de horas.

Outro aspecto interessante trazido pela MP 927/20 é que o COVID-19 só será reconhecido como ocupacional, mediante comprovação do nexo causal. Ou seja, ficará mais difícil a comprovação de que eventual contágio se deu no âmbito do trabalho, cabendo ao empregado o ônus da prova.

Tal medida afetará diretamente o direito à estabilidade do trabalhador e eventuais pedidos de indenização posteriores.

Além disso, apesar de a medida Provisória em questão ter sido publicada em 23/03/2020 e ainda depender de aprovação no Congresso, a mesma tem vigência desde a publicação e se aplica a atos praticados até 30 dias anteriores, o que convalida medidas eventualmente tomadas pelos empregadores neste período.

É importante frisar que os assuntos não dispostos e regulados pela MP 927/20 seguem na forma como já ditava a legislação trabalhista, cabendo destacamento de alguns pontos importantes que surgem como principais dúvidas atualmente.

Não está vedada a dispensa de empregados, independentemente de justa causa, devendo o empregador arcar com as verbas rescisórias nos termos legais.

A demissão em massa, entretanto, deverá contar com assistência do sindicato da categoria, a fim de que sejam tomadas as medidas de negociação prévia necessárias. 

Neste ponto, é importante frisar que o conceito de demissão em massa é a dispensa de vários funcionários, sem que haja substituição destes, por um motivo comunitário alheio à conduta e vontade do empregador. Veja-se que não se fala em número específico de funcionários.

Em relação à saúde do empregado, no caso deste pertencer ao grupo de risco do COVID-19, deve-se priorizar as medidas dispostas na MP 927/20 para manter o isolamento social do indivíduo, como teletrabalho, antecipação de férias, etc.

Caso o empregado seja positivado ou esteja com suspeita para o COVID-19, deve-se considerar sua ausência como falta justificada ao trabalho. 

Outro aspecto importante a ser destacado é que o Governo Federal voltou atrás do texto original da MP 927/20 e revogou o controverso art. 18, que dispunha sobre a suspensão do contrato de trabalho. Desta forma, eventual redução na jornada de trabalho e redução da remuneração somente poderá ser operada por meio de acordo individual escrito entre empregador e empregado.

No caso de suspensão das atividades da empresa por conta do COVID-19, o empregador tem responsabilidade de pagar os salários dos empregados, por assumir o risco da atividade econômica. 

Por fim, muito tem se falado sobre o art. 486 da CLT, que dispõe a possibilidade de pagamento de indenização por parte do Poder Público, no caso de suspensão das atividades econômicas por ato de autoridade municipal, estadual, distrital ou federal:

Art. 486 - No caso de paralisação temporária ou definitiva do trabalho, motivada por ato de autoridade municipal, estadual ou federal, ou pela promulgação de lei ou resolução que impossibilite a continuação da atividade, prevalecerá o pagamento da indenização, que ficará a cargo do governo responsável.

(...)

 

Não obstante o texto legal, é necessário esclarecer que a indenização referida não tem como beneficiário o empregador. O artigo em questão trata dos valores indenizatórios supervenientes devidos ao empregado em razão de dispensa sem justa causa, motivada pela paralisação. Seria o caso da multa de 40% sobre o FGTS, por exemplo.

As demais verbas rescisórias são de responsabilidade do empregador.

De qualquer forma, o esclarecimento acima serve apenas para ilustrar a situação, tendo em vista que a indenização disposta no art. 486 da CLT não se aplica quando o ato do Poder Público que motivar a paralisação decorrer de superior interesse público e coletivo, que é exatamente o caso que estamos vivenciando.

Como já imensamente ressaltado nas nossas últimas publicações, toda esta situação da pandemia é novidade, inclusive para os operadores do Direito.

Certamente, diversas serão as questões a serem discutidas no âmbito da Justiça do Trabalho nos próximos anos, cabendo a nós, por enquanto, utilizarmos de bom senso para lidar com as dificuldades que se apresentam.

Receba novidades