O Coronavírus e os contratos: as situações de relativização das obrigações
A pandemia do COVID-19 que estamos lidando ultrapassa algumas fronteiras dentro das questões contratuais existes em épocas normais. A economia encontra-se em verdadeira estagnação em virtude dos bloqueios necessários à manutenção da saúde de todos os cidadãos.
Em que pese a suspensão periódica de serviços e comércios, todos nós possuímos contratos vigentes que precisam ser honrados. Porém a situação vivida atualmente abre caminho para uma interpretação diferente das obrigações.
Antes de efetivamente entrarmos no mérito da exigência das obrigações, é preciso que tenhamos em mente a diferenciação de caso fortuito e força maior, embora essa diferenciação não seja adotada por toda a doutrina.
Por caso fortuito, pode-se dizer que se está diante de uma situação decorrente de um ato cuja origem se desconhece, sem precisar uma atuação humana para geração do resultado. Por exemplo, um cabo elétrico que se rompe sem saber o porquê e provoca um incêndio.
O fato decorrente de força maior, normalmente, é atribuído a um elemento externo, que também independe da vontade humana, mas que cuja origem é conhecida. Pode-se exemplificar através do incêndio provocado por um raio, cuja origem é conhecida (o raio), porém sem qualquer elemento de ação humana.
Mas o que essas definições importam perante o que vivemos hoje? Embora haja parte da doutrina que afirme que a distinção é desnecessária por se tratar de cláusulas de exclusão com características e consequências semelhantes no Código Civil.
CC - Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.
Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.
No âmbito trabalhista, porém, existe uma definição bastante precisa do que seria a “força maior”, pelo qual algumas obrigações do empregador poderiam ser relativizadas.
CLT - Art. 501 - Entende-se como força maior todo acontecimento inevitável, em relação à vontade do empregador, e para a realização do qual este não concorreu, direta ou indiretamente.
§ 1º - A imprevidência do empregador exclui a razão de força maior.
§ 2º - À ocorrência do motivo de força maior que não afetar substancialmente, nem for suscetível de afetar, em tais condições, a situação econômica e financeira da empresa não se aplicam as restrições desta Lei referentes ao disposto neste Capítulo.
Dentre as características de ambos os conceitos, estaria a sua imprevisibilidade e a sua inevitabilidade. Estas condições, são de extrema importância para a compreensão dos efeitos e para análise dos contratos a serem analisados.
Na esfera cível, portanto, a diferenciação entre a pandemia como caso fortuito ou força maior dificilmente irá ocorrer, delimitando-se apenas a uma delimitação de sua abrangência. Mas a discussão somente poderá ser tornada definitiva quando do estabelecimento de jurisprudência própria sobre o tema, o que, considerando que estamos ainda no início da pandemia, ainda levará tempo a ser sedimentada.
Em alguns contratos, as cláusulas excludentes da responsabilidade encontram-se já previamente fixadas. Essa situação é tipificada em grande parte dos contratos de seguro, onde, por exemplo, a colocação do objeto do seguro em risco acentuado não possui cobertura, justamente por não se tratar de uma situação imprevisível ou inevitável.
Além disso, nem todos os contratos podem ser revistos em virtude destes casos fortuitos ou força maior. Isto porque é necessário analisar caso a caso a situação vivida. Por exemplo, um contrato de fornecimento assinado em fevereiro de 2020 dificilmente poderá ser revisado com base em caso fortuito ou força maior, uma vez que a pandemia já poderia ser prevista nessa época. Vale salientar que esta é apenas uma opinião, sendo que este entendimento pode ser revisado pelos Tribunais quando da apreciação de cada caso concreto.
Em relação aos direitos trabalhistas, algumas medidas poderão ser adotadas pelos entes governamentais e representantes de classes para minimizar eventuais prejuízos. Essa previsão encontra-se prevista na Lei 4.923 de 1965, porém dependem de homologação pelos órgãos competentes, a fim de evitar abuso destas medidas por parte dos empregadores.
Estas questões ainda serão devidamente debatidas ao longo dos próximos meses, quando a poeira baixar e a vida seguir o seu curso natural. Porém, é importantíssimo que todas as partes envolvidas no contrato tenham em mente o estado de exceção que se vive atualmente. E, portanto, a exigência de um cumprimento forçado com base na presente situação pode levar tanto ao inadimplemento total da obrigação por parte do devedor, e o credor, por sua vez, sofrerá os impactos desse inadimplemento em seu próprio negócio. A reação em cadeia decorrente destes fatos será inegável, e escalonada de forma a cada vez mais agravar o quadro econômico existente.
Portanto, o que se espera, em uma situação destas, é que ambas as partes tenham um bom senso na hora de renegociar seus contratos, com prorrogações de prazos, condições diferenciadas, e, acima de tudo, empatia com quem se está lidando. O momento não é de visar o lucro individual, mas de permitir a reconstrução de uma economia em frangalhos decorrente de um fato alheio à vontade de todos.